sábado, 8 de novembro de 2003

As palavras II

Pensar numa palavra e falar sobre ela. Numa perspectiva supra-semiótica explicar o significado mítico de uma palavra, que nos quer dizer algo mais que o seu sentido literal.
Não sei se será legal publicar este texto, já que desconheço o seu autor (logo não tenho a sua autorização...faz favor não me processe) mas fica como ilustração daquilo que disse:

“ Curva, s. F (de curvo). Linha em forma de volta, não recta, nem composta de linhas rectas,[...]Designação, em sentido geral, de tudo quanto não é recto nem composto de linhas rectas”(Grande dicionário da Língua Portuguesa, J.P. Machado).
A curva é o nariz de múltiplas personagens de fascinantes contos que li de um só fôlego. A curva é a trajectória da bola de futebol quando o avançado a chuta em direcção as redes da baliza, onde pára, sem que o guarda-redes a consiga deter. A curva é segmento mínimo de cada letra do alfabeto. Milhares ou milhões de curvas lemos nos nossos momentos de recolhimento sem disso nos darmos conta. A curva é o arco de volta perfeita de que falam, nas visitas de estudo do 7º ou 8º ano de escola, aqueles monumentos seculares. A curva é aquilo que determina se um piloto de automóveis é, bem no final da prova, o verdadeiro campeão. A curva é... a matéria-prima do sonho na arquitectura de Oscar Nimeyer. Para ele a curva é liberdade. Para mim também.
Cultivamos na curva toda a nossa necessidade de fugir ao rígido, como na recta. É na curva que encontramos a possibilidade de sermos diferentes, anormais no sentido literal do termo.
Oscar Niemeyer é, provavelmente, o senhor da arquitectura brasileira. Completa este ano 95 anos de ouro. Ele trouxe para a arquitectura a liberdade com que sempre sonhou ideologicamente. Também a curva lhe serviu de instrumento de manifestação do seu profundo desejo de justiça social. No Museu de Arte Contemporânea de Niteroi, perto do Rio, que já tive o prazer de visitar, ou na peculiar Catedral de Brasília, ou em dezenas de outros notáveis edifícios por ele projectados , a curva impera. É senhora do peso eterno que o betão carrega. É a vontade do arquitecto modelada na brisa quente e tão brasileira que o atlântico sopra para oeste.
A curva é, por assim dizer, uma injustiçada. É o símbolo da mudança, mas passa quase sempre despercebida. Se representarmos no papel a evolução de qualquer coisa importante é à curva que recorremos. E quem lhe dá importância? Os matemáticos? As professoras da 1ª classe quando nos ensinam as primeira letras, com uma caligrafia que num ápice perdemos, para passarmos a escrever com letra de imprensa? A curva está condenada ao desprezo. Continuará a ser algo puramente conceptual, sem importância significativa no decorrer das nossas vidas. Mas para mim é liberdade.
Esta é a história da curva: num momento deusa e no restante tempo nada.

Pepita